Era uma quarta feira a noite. O frio e as geadas obrigavam grande parte da população irlandesa a ficar enfurnada em casa com os aquecedores ligados na máxima potência. O sofá, convidava para um confortável cobertor, e algum filme na televisão de plasma, de alta definição, e com um número de polegadas que eu nem conseguia imaginar.
Já tinha comentado em minha Host Family de um documentário que havia realizado com dois catadores de recicláveis. Talvez, pela falta de um grande vocabulário em inglês, e de uma realidade tão oposta a brasileira, eles não tenham conseguido visualizar o contexto geral do vídeo.
Entreguei uma copia de “Eles não vão à Daslu” a George Murphy, o pai de família, que se prontificou na hora em assisti-lo. Por não saber o conteúdo, e com a certeza que os filhos, nem alfabetizados ainda, seriam incapazes de acompanhar as legendas, tomou a decisão de colocar todos para fora da sala. Ficamos apenas ele, e eu.
Estava nervoso, além de ser o primeiro estrangeiro que acompanhava o vídeo legendado, queria saber as reações e emoções deste único expectador, que convive em uma realidade completamente diferente. George, jamais tinha se deparado com algo parecido, para ele, se o país é pobre, é pobre como um todo, se é rico, é rico como um todo, mas nunca desigual, igual ao Brasil.
Os 20 minutos correram. Julio criticou o sistema e Eunice apresentou os 8 filhos. Declarou que as datas mais difíceis são o Natal e a Páscoa, quando nunca pode comprar nada para presenteá-los. A cada momento que os personagens narravam suas histórias, George se afundava um pouco mais no sofá. Ele apenas levantou o pescoço, para passar o olho pela imensa sala, recheadas dos brinquedos que os filhos de Eunice tanto queriam.
George tem três filhos, e certamente são as maiores paixões de sua vida. Brinca diariamente com todos eles, e em uma sociedade consumista como a européia, adora presenteá-los. São bonecas, carrinhos, castelos, triciclos motorizados. Talvez haja mais variedade de brinquedos ali, do que em algumas lojas destinadas a crianças em São Paulo.
Ao final do curta, George disse “It`s hard the life in Brazil”. Ele não imaginava que poderia haver tanta pobreza em um lugar que não fosse a África. George, não tem curso superior, trabalha na faxina do aeroporto, mas tem casa própria, dois carros e vai pela segunda vez com os filhos para a Disney.
Com o espírito que é fácil encontrar no povo irlandês, combativo e progressista, perguntou: “What we can do?”. Olhei nos seus olhos, vi algumas lágrimas que atenderiam qualquer coisa que me pusesse a sugerir. Mas infelizmente só tinha uma resposta “Nothing George, nothing”.
PS: Quero dividir os sentimentos desta sessão particular com as pessoas que também construíram esta história: Bernando Fernandes, Denise Tavares e Marcella Elias.
Até me arrepiei ao ler o que escreveu aqui...
ResponderExcluirSaudades sempreeeee
Vi,
ResponderExcluiradoro visitar o seu blog e ler os seus textos bem escritos. Você manda muito bem!
Só descordo sobre "não fazer nada", a resposta dada ao George. Vc já fez - e faz.
Destinou seu TCC à essa causa;
Colaborou com uma Páscoa inesquecível para certas crianças;
Documentou a vida de mais um brasileiro lutador - o vendedor de balas;
Esta aí em Dublin registrando manifestações pelos direitos dos cidadãos;
Quem,realmente, não faz nada, não faz nada disso.
Um beijo
Ou melhor, dIscordo... hehehe
ResponderExcluirAh, Vinícius... Talvez, tecer o futuro seja apenas isso: pouco a pouco a mudança vai acontecendo em cada um. E ela só acontece porque pessoas bonitas e íntegras como você tentam, ao máximo, viver como pensam. Claro que as dúvidas e os temores existem. Mas você passa por cima, daquele jeito às vezes duro, às vezes manso, e vai tecendo a história, generosamente compartilhando esta travessia. Grata por me incluir. Mais grata ainda pela oportunidade de saber um pouco o que você está vivendo. Assim, também vou mudando, com certeza muito menos que você, mas, dá uma vontade danada de ir mais fundo! Radicalidade: teu nome é VIDA! Super-beijo.
ResponderExcluirDenise
porra, mlk, escrever é isso, cara! passou toda a emoção que rolou nessa sessão com o george. e transcreveu bem as duas frases principais, dele (what can we do?) e sua (nothing). puta sabor essa história, vina, tá virando um cronista valioso, garoto, puta abraço, zé prof
ResponderExcluirps-tira fotos, cara, faltaram umas fotos do george, da casa dele, sei lá.
ps2-frio??? haha, se no verão eu trincava de frio com esse vento imbecil daí, imagino no inverno...
Ohh, Vi, que texto bonito, fiquei emocionada por tudo: pelo vídeo (de novo), pelas suas novas experiências, pelo diálogo que vc teve e por saber, um pouquinho, desse seu novo mundo.
ResponderExcluirhj me deu uma vontade gigantesca de um daqueles dias tranquilos, de bebedeiras, desabafo e até daquela nossa idéia de jornal (febeapuc rs, lembra?)
bjo grande e boas aventuras
Congratulations... amazing your blog!!! ;)
ResponderExcluirKarol Aviles
Ae Vinão ... do caralho cara!
ResponderExcluiré isso ai, mandou bem, acho que só o despertar de uma realidade não descoberta por um europeu, já é um grande começo ... eu entendi o seu NOTHING GEORGE ... o que dizer pra um cara desses o que a gente pode fazer né ?! ... nem a gente sabe direito. Enfim, não vou me prolongar aqui.
grande abraço e tudo de bom