terça-feira, 30 de junho de 2009

15% dos irlandeses desempregados


A notícia foi lida em voz alta por Rui, o chinês que divide o apartamento comigo, dando início a uma conversa que envolveu a namorada dele, uma coreana. Dois moradores de longa data na capital irlandesa.

Há cinco anos, Dublin representava dinheiro. Fortuna. Lugar onde os que se ocupavam dos chamados subempregos conseguiam acumular uma boa quantia de euros, o que estimulou grandes fluxos migratórios para este país. Chineses, latinos, árabes e africanos vieram tentar a vida num local que era sinônimo de qualidade de vida.

Brasileiros com nível superior desistiram de suas profissões e se dispuseram a trabalhar como faxineiros, cozinheiros, atendentes de shopping. Grande parte deles conseguiu realizar o sonho de comprar pelo menos uma casa no local de origem, ou viajar por toda a Europa.

Se a situação era cômoda e favorável para estrangeiros, imaginem para os legítimos irlandeses. Pegamos como exemplo a profissão de editor de imagens, a que me encaixo e que conheço melhor. No Brasil, o piso salarial está em torno de R$ 800,00 mês. Em Dublin, estes mesmos 800 se transformam em euros, e são pagos semanalmente. Cerca de 3.200 mês, valor que, convertido para o real, chega a 10.000. Suficiente? A média de gasto dos brasileiros que por aqui está em torno de 500 a 700 euros. Com esse valor, é possível, para nós, latinos, ter mais de 2000 euros de reserva mensal!

Há 20 anos, a situação era bem diferente. Irlanda era sinônimo de pobreza, guerras, tentativas de independência, realidade mudada graças a projetos tecnológicos de multinacionais estadunidenses que por aqui também aportaram.

Facilidade pelo idioma? Relações familiares? (grande parte dos norte americanos têm descendência irlandesa). Bom, o certo é que viraram um país com tecnologia, ocupando o terceiro melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, e com um sistema de bem estar social capaz de garantir dignidade à grande parte dos cidadãos. 

Essa transformação foi ilustrada em uma conversa com Eoghan MC Demond, um jovem camarada irlandês. Há 15 anos, os pais dele compraram uma casa, na qual ainda vivem, por cerca de 19 mil euros. Avaliada há poucos meses para possível revenda, o valor foi estimado em 800.000 euros. Um aumento de 4.000 %. 

O Welfare (bem estar social) é poderoso. Desempregados, mulheres grávidas, pessoas com dependência alcoólica e de drogas, crianças, enfim... Quase toda uma população era beneficiada com 800 euros mês. Cheguei a ouvir de um professor que quem não quisesse trabalhar teria a opção de viver às custas do Estado. Mas em tempos de crise, a mamata acabou!

O fortíssimo assistencialismo já não está tão forte assim. A recusa para empregos que apenas latinos, orientais e africanos faziam, deixou de existir. Para “arrumar a casa”, passaram a contratar irlandeses para estes tipos de serviços. Resultado: muitos imigrantes, agora desempregados, estão retornando para os locais de origem. Os mais antigos, com o sentimento de vitória, pois aproveitaram o melhor período; e os novatos, com olhar de derrota, já que muitos nem o curso de seis meses de inglês conseguiram terminar. 

O que pude perceber é que os novos habitantes dublinenses vieram para este lugar especialmente por conta do aprimoramento na língua. Mas a necessidade de encontrar um trabalho, já que é extremamente dispendioso viver por aqui, está tornando a situação difícil. Conheço muitos que chegaram comigo e estão voltando. Sei de escolas que ocupavam três prédios, e que agora cabem em apenas um. A situação parece assustadora.

E os primeiros, nesta história toda, a serem atingidos são os imigrantes não europeus. Minha primeira pergunta para Rui, após ler a manchete, foi: São 15% de irlandeses, ou da população como um todo? Depois da conversa e das análises, entendi o porque da risada sarcástica e do olhar solitário. A fala mansa gaguejou, “Claro que é só irlandês, eles não se importam conosco”!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O dia em que disseram que nossa língua era de macacos


O infeliz episódio mencionado no título aconteceu dentro de uma produtora de vídeo responsável por um programa semanal de televisão sobre música, semelhante aos que podemos assistir na MTV. Ou seja, em meu próprio local de trabalho.

Ali, além de receber cerca de 10 vezes menos do que um irlandês ganharia na tarefa que eu desempenho, convivo diariamente com pelo menos três infrações que as leis trabalhistas brasileiras se incumbiriam de punir: receber menos que o salário mínimo (por aqui é de pouco menos que 9 euros por hora); acumular funções (cinegrafista e editor); e não ter registro em carteira.

Como imigrante, não entro em muitos méritos para questionar com a chefia o descumprimento de algumas leis, até por que no Brasil também não é incomum encontrar imigrantes latinos ou coreanos sendo explorados na cidade de São Paulo. A crise econômica por esta parte do mundo é bem mais grave do que fazem crer as notícias sobre a crise brasileira que por aqui chegam. Por enquanto, é melhor trabalhar do que ter que regressar ao Brasil. 

A produtora à qual eu pertenço não é grande. A equipe é formada por um apresentador, uma produtora, um editor, eu e o diretor, que exerce também a função de cinegrafista. No dia em que fui obrigado a ouvir o despropósito que dá título a esta coluna, o preconceito estava menos sutil que de costume. E um certo desconforto já havia tomado conta de minha alma, levando consigo o sorriso e as risadas que costumavam dar o tom de nossas conversas.

Em certo momento, o diretor fez, como já o fizera em algumas outras oportunidades, uma piada preconceituosa sobre os brasileiros. Não pude entender ao certo a que se referia e lhe pedi que repetisse a gozação, mas ele não o fez. Então, me propus a falar em português. Chamei o camarada de mala e paralelepípedo, palavra cuja sonoridade já é suficiente para embaralhar até mesmo os ouvidos educados no Brasil. Nessa hora, o apresentador, um jovem com alguns anos a mais que eu, mas que me surpreendeu pela simpatia e solidariedade durante toda minha estada na produtora, arriscou-se a reproduzir em português uma das frases universais que a ele eu havia ensinado em nossa língua: “Viny, o chefe é um filho da puta”. Dei risada...

O diretor, com a cabeça enfiada num buraco com pelo menos 2 metros de profundidade (afinal, o colega aprendera alguma coisa num idioma diferente do seu, enquanto ele...), não conseguia esconder a vermelhidão que tomou conta de pela branca que lhe recobre um rosto pouco familiar aos raios de sol. Mas então soltou o impropério: “Português é uma língua falada por macacos”. Um filme se passou na minha cabeça... Todas as notícias, de várias partes do globo, relatando racismos recaíram sobre meus ombros.

Sentindo que em pouco tempo algumas lágrimas iriam me denunciar, encontrei forças para montar, em inglês, uma frase que seria a última daquele dia: “Macaco é você, incapaz de diferenciar francês, português e espanhol”.

Não consegui disfarçar o desconforto de ouvir uma afirmação tão inútil quanto desprezível. No fim do expediente, fui embora sem trocar qualquer palavra. Regressei ao lar e continuei calado, sem esboçar meias ou inteiras palavras com os colegas de república, todos tão estrangeiros quanto eu. Tomei banho, jantei e dormi.

Acordo de ressaca. Com um mal estar que uma única noite de sono seria incapaz de curar. O que poderia fazer? Estou no país do cara, ele é meu chefe, preciso continuar estudando. Mas não poderia deixar florescer em mim sentimentos até mais arcaicos que os dele. Teria que ser, mais do que nunca, inteligente. Inteligente o suficiente para me sentir bem, para responder tal ofensa e, com sorte, mudar um pouco a cabeça de um racista como aquele. 

Voltei ao trabalho ainda com a cara fechada. Os olhos tornaram a querer me denunciar. Fui abordado pelo apresentador do programa, que me perguntou o que se passava. Desabafei. Disse que não agüentava preconceito e racistas perto de mim; que no Brasil já havia lutado contra isso, e não teria vindo para ser humilhado no continente ao qual chamam de primeiro mundo. Ele se desculpou pela grosseria do chefe e sugeriu que com ele conversasse, admitindo a hipótese de que, em sua santa ignorância, o agressor fosse incapaz de imaginar que macaco não é elogio, mesmo se dito aos que amam uma natureza de fauna tão exuberante quanto a brasileira.

Pois bem. No fim do expediente pedi uma conversa. Disse que não havia gostado do que ouvira. Ele se desculpou naquela modalidade de desculpa sem o olho-no-olho que revelaria a sinceridade que nos sai dos corações. Na língua do camarada, que agora me soa mais familiar, disse-lhe o que aconteceria com ele se tivesse se manifestado daquela maneira no Brasil.

Que o primeiro a pegá-lo seriam os policiais, que antes de colocá-lo na cadeia já lhe dariam umas boas porradas. Acrescentei que nem os euros pagariam o valor da fiança, e que, por ser branco e racista, teria seu “PINK ASS” destruído na prisão. Disse que, caso tivesse o azar de não ir para a cadeia, na rua sua sorte não seria muito melhor, voltando a citar o “PINK ASS” e apontando para o pé da mesa! 

O timbre de voz do camarada ficou bem diferente de quando pedira as desculpas pouco sinceras, pois finalmente, no único idioma que entende, percebera quanta bobagem havia saído de sua boca. Meu coração voltou a bater no compasso normal. Peguei minha bicicleta e voltei para casa. Aliviado, expliquei ao panamenho o motivo de ter permanecido mudo na noite anterior. Como latino e igualmente vítima de preconceitos, riu quando lhe contei o desfecho da história!