sexta-feira, 9 de abril de 2010

Na distância entre 164 países, quem sofre é James

A distância de que falamos acima é o fosso que separa a Irlanda e a Libéria no Índice de Desenvolvimento Humano 2010. Na quinta posição, o gelado país europeu consegue prestar assistência milionária aos irlandeses, enquanto que na 169ª posição, a jovem nação africana, mais próxima do Brasil, vê-se muitas vezes na obrigação de colocar os filhos recém-saídos das fraldas para trabalhar. No começo, o fato me causou extrema indignação, mas depois de algumas conversas, me fez compreender a desesperadora situação que vivem essas famílias.

O salário mínimo liberiano está em US$ 60 ao mês, mas apesar de se chamar “mínimo” na legislação, a realidade é bem outra. O segurança do condomínio onde me hospedo relatou-me o quanto recebe: U$ 50. James ainda descreveu um pouco de sua vida: tem cinco filhos, sendo apenas três dele; os outros dois, como acontece em muitas famílias liberianas, são agregados de parentes do interior.

Segundo James, todas as criancas estão na escola, benefício que consome integralmete os vencimentos que recebe. A esposa é a encarregada de colocar a comida na mesa. James chegou a entrar na universidade, onde tentou estudar economia, mas logo no inicio do curso se viu na obrigação de abandonar a sala de aula. Como um bom pai, abriu mão de seu sonho pelos filhos, já que a quantia de US$ 150 semestrais pelo curso superior pesaria demais no orçamento familiar.

Não comentei sobre a situação irlandesa. Avaliei que James não merecia o desgosto de saber que o fato de ter 5 filhos lhe renderia quase 800 euros por semana, dinheiro provido pelo Estado. Como segurança na Libéria seria necessário quase um ano e meio de trabalho para acumular tamanha fortuna. Ele também não precisa saber que grande parte dos beneficiários, diferentemente dele, não querem trabalhar, não educam os filhos e utilizam a verba que recebem do estado generoso na compra de heroína e bebida alcoólica.

Na ultima semana, James quase foi transferido para outro condomínio. Como ele mesmo descreveu, estava tenso. Seu característico sorriso no rosto, que nos ajuda inclusive na identificação em meio aos outros funcionários, não estava no semblante dele. Em uma conversa, fui entender o motivo de tanta agonia. Neste novo lugar, apenas com transporte, gastaria 70 dólares liberianos por dia, o equivalente a US$ 1 (americano). No final de um mês, metade de seus vencimentos seria consumida apenas para os deslocamentos.

Sem muitas alternativas e com os baixos salários, geralmente pagos de forma atrasada, os liberianos, assim como James, desenvolveram um esquema similar ao de consórcio no Brasil, o “sussu”. Mas, ao invés de carro ou casa própria, o beneficiário mensal recebe uma quantia em dinheiro, que varia de 20% a 50% do salário de todos os funcionários. Com um pouco mais de grana, podem investir em um negócio para a família ou pagar a escola dos filhos.

O guerreiro James, que faz milagre com o pouco que recebe, me disse estar à procura de um outro trabalho. Terá em breve a resposta de uma fábrica de plástico, e caso seja efetivado, irá receber US$ 70 por mês. Como ele mesmo disse, novamente com o sorriso no rosto, um bom dinheiro! James sabe o valor que a educação e a vida têm. É sobrevivente de uma sangrenta guerra civil e, mesmo com tudo o que deve ter visto e vivido, ainda arruma espaço para um largo sorriso, um coração cheio de amor para os filhos e a esperança de um futuro melhor para esta sofrida nação.

PS: Os salários pagos abaixo do valor mínimo estipulado em lei e as péssimas condições de trabalho têm sido objeto de grande discórdia entre moradores estrangeiros e o conselho do condomínio. Infelizmente a elite liberiana é “wicked”, como eles mesmo dizem.