quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O dia que o irlandês chorou

Era uma quarta feira a noite. O frio e as geadas obrigavam grande parte da população irlandesa a ficar enfurnada em casa com os aquecedores ligados na máxima potência. O sofá, convidava para um confortável cobertor, e algum filme na televisão de plasma, de alta definição, e com um número de polegadas que eu nem conseguia imaginar.

Já tinha comentado em minha Host Family de um documentário que havia realizado com dois catadores de recicláveis. Talvez, pela falta de um grande vocabulário em inglês, e de uma realidade tão oposta a brasileira, eles não tenham conseguido visualizar o contexto geral do vídeo. 

Entreguei uma copia de “Eles não vão à Daslu” a George Murphy, o pai de família, que se prontificou na hora em assisti-lo. Por não saber o conteúdo, e com a certeza que os filhos, nem alfabetizados ainda, seriam incapazes de acompanhar as legendas, tomou a decisão de colocar todos para fora da sala. Ficamos apenas ele, e eu.

Estava nervoso, além de ser o primeiro estrangeiro que acompanhava o vídeo legendado, queria saber as reações e emoções deste único expectador, que convive em uma realidade completamente diferente. George, jamais tinha se deparado com algo parecido, para ele, se o país é pobre, é pobre como um todo, se é rico, é rico como um todo, mas nunca desigual, igual ao Brasil.

Os 20 minutos correram. Julio criticou o sistema e Eunice apresentou os 8 filhos. Declarou que as datas mais difíceis são o Natal e a Páscoa, quando nunca pode comprar nada para presenteá-los. A cada momento que os personagens narravam suas histórias, George se afundava um pouco mais no sofá. Ele apenas levantou o pescoço, para passar o olho pela imensa sala, recheadas dos brinquedos que os filhos de Eunice tanto queriam. 

George tem três filhos, e certamente são as maiores paixões de sua vida. Brinca diariamente com todos eles, e em uma sociedade consumista como a européia, adora presenteá-los. São bonecas, carrinhos, castelos, triciclos motorizados. Talvez haja mais variedade de brinquedos ali, do que em algumas lojas destinadas a crianças em São Paulo.

Ao final do curta, George disse “It`s hard the life in Brazil”. Ele não imaginava que poderia haver tanta pobreza em um lugar que não fosse a África. George, não tem curso superior, trabalha na faxina do aeroporto, mas tem casa própria, dois carros e vai pela segunda vez com os filhos para a Disney.

Com o espírito que é fácil encontrar no povo irlandês, combativo e progressista, perguntou: “What we can do?”. Olhei nos seus olhos, vi algumas lágrimas que atenderiam qualquer coisa que me pusesse a sugerir. Mas infelizmente só tinha uma resposta “Nothing George, nothing”.

PS: Quero dividir os sentimentos desta sessão particular com as pessoas que também construíram esta história: Bernando Fernandes, Denise Tavares e Marcella Elias.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O primeiro protesto na Irlanda

As placas penduradas em postes de iluminação anunciavam que os estudantes tomariam as ruas num 4 de fevereiro. Há pelo menos uma semana desta data, já era possível saber o motivo da aglutinação: “Free Education”.

Assim como no Brasil, uma educação com um pingo de qualidade tem que ser paga. Não que na Irlanda cheguem boletos mensais com valores exorbitantes. A cobrança é diferente. O valor é revertido nos materiais e provas acadêmicas (FEES): cerca de 5 mil euros anuais.

Motivo que levou centenas de estudantes com os rostos pintados de azul para o centro de Dublin. Concentrados na rua Merrion Square, em frente ao parque que leva o mesmo nome, exibiam placas como “Free Education for Everyone”, ou “No to FEES”. Portando apitos, megafones e muito fôlego na garganta, não pararam um minuto de gritar. 

O que me chamou a atenção, foi um clima de cobrança ao presidente eleito no Estados Unidos, Barack Obama. Para os irlandeses, ele deve tomar alguma atitude urgente para controlar e acabar com a crise econômica mundial. Na Irlanda, o colapso financeiro está levando muitos brasileiros a pegarem o avião de volta, e alguns irlandeses, ao desemprego.

Foram duas as maiores diferenças de um protesto em Dublin, com algum outro realizado no Brasil. Não vi sequer um caminhão de som pela rua, mas sim alto-falantes pendurados em postes propagando os gritos de ordem ditos pelas lideranças estudantis. Segundo um dos organizadores Steven, não há problemas na instalação destes alto-faltantes, cujo abastecimento elétrico é realizado pela iluminação pública. 

O mesmo sujeito, informou que no protesto existiam cerca de 500 pessoas. Achei um valor muito baixo, quando comparei com as estatísticas apresentadas geralmente pelos manifestantes brasileiros. Utilizando “nosso padrão”, calculei que ali haviam cerca de 2000 estudantes. 

O mais surpreendente de tudo isso, e que se encaixa na outra diferença anunciada dois parágrafos acima, foi o valor divulgado pela imprensa. O diário Metro, de distribuição gratuita e diária, informou que 15.000 pessoas tomaram as ruas!

Como jornalista não aprovo a postura de supervalorizar qualquer tipo de informação. Acredito que devamos apenas retratar a verdade, mas confesso, que quando a li, estampada na primeira página, abri um sorriso irônico, e pensei “bom seria, se no Brasil fosse assim, e tivéssemos uma imprensa a favor das causas do povo”. 

Perdi a conta de quantos protestos registrei, e no dia seguinte os jornais publicavam um número completamente inferior, com o intuito apenas de desmobilizar e enfraquecer os manifestantes, que apenas lutavam pelos seus direitos.
Pelo que pude perceber, com ou sem apoio da imprensa, esses estudantes voltarão as ruas, caso as reinvidicações não sejam atendidas.

PS: Peço desculpas aos leitores pela ausência de novas informações. A internet ainda é um problema aqui. Devo, daqui umas 2 semanas, estabelecer uma conexão onde resido, enquanto isso, segue na ausência de periodicidade.