A notícia foi lida em voz alta por Rui, o chinês que divide o apartamento comigo, dando início a uma conversa que envolveu a namorada dele, uma coreana. Dois moradores de longa data na capital irlandesa.
Há cinco anos, Dublin representava dinheiro. Fortuna. Lugar onde os que se ocupavam dos chamados subempregos conseguiam acumular uma boa quantia de euros, o que estimulou grandes fluxos migratórios para este país. Chineses, latinos, árabes e africanos vieram tentar a vida num local que era sinônimo de qualidade de vida.
Brasileiros com nível superior desistiram de suas profissões e se dispuseram a trabalhar como faxineiros, cozinheiros, atendentes de shopping. Grande parte deles conseguiu realizar o sonho de comprar pelo menos uma casa no local de origem, ou viajar por toda a Europa.
Se a situação era cômoda e favorável para estrangeiros, imaginem para os legítimos irlandeses. Pegamos como exemplo a profissão de editor de imagens, a que me encaixo e que conheço melhor. No Brasil, o piso salarial está em torno de R$ 800,00 mês. Em Dublin, estes mesmos 800 se transformam em euros, e são pagos semanalmente. Cerca de 3.200 mês, valor que, convertido para o real, chega a 10.000. Suficiente? A média de gasto dos brasileiros que por aqui está em torno de 500 a 700 euros. Com esse valor, é possível, para nós, latinos, ter mais de 2000 euros de reserva mensal!
Há 20 anos, a situação era bem diferente. Irlanda era sinônimo de pobreza, guerras, tentativas de independência, realidade mudada graças a projetos tecnológicos de multinacionais estadunidenses que por aqui também aportaram.
Facilidade pelo idioma? Relações familiares? (grande parte dos norte americanos têm descendência irlandesa). Bom, o certo é que viraram um país com tecnologia, ocupando o terceiro melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, e com um sistema de bem estar social capaz de garantir dignidade à grande parte dos cidadãos.
Essa transformação foi ilustrada em uma conversa com Eoghan MC Demond, um jovem camarada irlandês. Há 15 anos, os pais dele compraram uma casa, na qual ainda vivem, por cerca de 19 mil euros. Avaliada há poucos meses para possível revenda, o valor foi estimado em 800.000 euros. Um aumento de 4.000 %.
O Welfare (bem estar social) é poderoso. Desempregados, mulheres grávidas, pessoas com dependência alcoólica e de drogas, crianças, enfim... Quase toda uma população era beneficiada com 800 euros mês. Cheguei a ouvir de um professor que quem não quisesse trabalhar teria a opção de viver às custas do Estado. Mas em tempos de crise, a mamata acabou!
O fortíssimo assistencialismo já não está tão forte assim. A recusa para empregos que apenas latinos, orientais e africanos faziam, deixou de existir. Para “arrumar a casa”, passaram a contratar irlandeses para estes tipos de serviços. Resultado: muitos imigrantes, agora desempregados, estão retornando para os locais de origem. Os mais antigos, com o sentimento de vitória, pois aproveitaram o melhor período; e os novatos, com olhar de derrota, já que muitos nem o curso de seis meses de inglês conseguiram terminar.
O que pude perceber é que os novos habitantes dublinenses vieram para este lugar especialmente por conta do aprimoramento na língua. Mas a necessidade de encontrar um trabalho, já que é extremamente dispendioso viver por aqui, está tornando a situação difícil. Conheço muitos que chegaram comigo e estão voltando. Sei de escolas que ocupavam três prédios, e que agora cabem em apenas um. A situação parece assustadora.
E os primeiros, nesta história toda, a serem atingidos são os imigrantes não europeus. Minha primeira pergunta para Rui, após ler a manchete, foi: São 15% de irlandeses, ou da população como um todo? Depois da conversa e das análises, entendi o porque da risada sarcástica e do olhar solitário. A fala mansa gaguejou, “Claro que é só irlandês, eles não se importam conosco”!