Em pouco mais de um mês na Irlanda, pude conviver em uma típica casa Irish e outra formada por brasileiros, sueco e espanhol. Pude também presenciar e sentir a diferença nos padrões diários de sobrevivência e qualidade de vida de ambos os locais. E eles são muitos!
Logo na chegada tive a oportunidade de morar por duas semanas na casa da família Murphy. Apesar do intenso frio, todas as noites dormia com a mesma temperatura a que estava acostumado no Brasil. Chegava até a suar durante as madrugadas. O aquecedor instalado ao lado da cama me fazia esquecer da neve que costumeiramente caia do outro lado da janela.
Quando lavei uma parte de minhas roupas, elas secaram em apenas uma tarde, afinal, o aquecedor, que sempre estava ligado, supria toda a demanda. A hora do sagrado banho era o momento mais relaxante do dia: a água, quase fervendo, caía com a intensidade de uma cachoeira. Também era comum tomar dois banhos ao dia, assim como fazia no Brasil; um ao acordar, e outro antes de dormir.
O grande problema era a distância em relação ao centro de Dublin. Precisava de uma hora dentro do ônibus para sair do subúrbio, sem contar o tempo de espera para que ele passasse, além do deslocamento a pé até o próprio ponto de embarque. A água da casa irlandesa era filtrada, e todos os dias me deliciava com alguns dos chocolates típicos do país. A cerveja na geladeira era Budweiser, uma das mais caras por aqui. Tomei algumas delas enquanto jogava sinuca com o George, numa grande mesa que fica em uma das três salas do lugar.
Também havia dois jardins, o da frente e dos fundos. Três banheiros, quatro quartos, um reservado apenas para mim, além de dois carros na garagem, um para cada motorista da casa. Como já disse em texto anterior, era difícil andar pela residência sem me deparar com um brinquedo ou não reparar na imensa TV de plasma, de alta definição, que ocupava espaço especial em uma das salas.
Duas semanas e já me mudei. Logo na chegada percebi que a temperatura da nova casa seria diferente. O heater (aquecedor) não estava ligado, apesar do frio que fazia ao lado de fora. Na primeira conversa, algumas regras me foram passadas. Entre elas, lavar roupa apenas à noite. Existem valores diferenciados, segundo o horário de consumo, para o preço da energia elétrica. O banho, preferivelmente, também teria que ser à noite, mas era necessário ligar o boiler (aquecedor a gás da água) com pelo menos 30 minutos de antecedência. Na primeira ducha senti outra, e talvez a mais dramática das diferenças: a água não tão quente assim, fica completamente gelada na hora de lavar a cabeça.
Os carros na garagem são substituídos pelas bicicletas na varanda do apartamento; e o quarto, que antes era apenas meu, hoje abriga mais quatro pessoas. O aquecedor deu lugar a um edredom e dois cobertores. Na primeira vez que lavei roupa no novo lar, era época de neve. Resultado: a calça jeans demorou cinco dias para secar.
Os chocolates de sobremesa são comprados apenas quando o corpo necessita de algum doce. E a deliciosa loira gelada, a paixão da maioria dos brasileiros, tem marca e rótulo bem diferentes do Brasil. Numa garrafinha de vidro, parecida com um xarope e de nome FinkBrau, custa apenas 50 cent`s. Nem sempre elas cabem no frigobar que precisa ser socializado entre seis pessoas. Mas no frio que predomina aqui, basta colocar a bebida do lado de fora da janela que em poucos instantes estará bem gelada.
Diferenças nos padrões de vida, diferenças nas relações humanas. Quando me despedi da família Murphy, apenas George me estendeu a mão, sem insinuar sinal de qualquer abraço. Sarah, sua esposa, apenas acenou um tchau, assim como os três filhos, com os quais, no dia anterior, eu havia brincado de guerrinha de neve. Na atual residência, dos estudantes que vivem controlando as finanças, o aperto de mão é quase que uma rotina, assim como os sorrisos, os brindes nas garrafinhas de vidro e algumas piadas. Uma relação que aquece o ambiente gelado e que torna o heater um mero enfeite na parede.